Quando me pediram para realizar uma palestra sobre motivação em segurança do trabalho, realmente entrei em pânico.
Pois qual seria um título interessante para chamar atenção?
Já que as de SIPAT, são chatas, desinteressantes e repetitivas (tinha escutado de vários colegas da área).
São sempre os mesmos temas, sorteios, teatrinho, acham que os colaboradores gostam de circo.
Já assisti inúmeras palestras sobre o tema.
E quem sou eu para repeti-las, sou muito mais um aprendiz do que um instrutor, mas o desafio estava feito.
Seria para uma indústria com cerca de 5000 colaboradores, apresentando em vários turnos durante uma semana. Esta possuía um histórico muito bom de seus Kpis sobre acidentes.
Um desafio interessante, pois queria sair da mesmice do assunto, focando no VALOR que se deve ter à cultura de segurança e ao valor de uma vida.
Meu objetivo seria impactar no comportamento de todos, influenciando através de um bom trabalho de persuasão para que a segurança que é parte do QSMS-RS e Sustentabilidade fosse visto como uma cultura de VALOR na empresa.
Mas como? Qual o tema para chamar atenção?
A ideia do título vem de uma época como gestor de QSMS-RS em duas situações com um denominador em comum.
Uma na África e outra no Oriente Médio onde tínhamos uma rodovia a ser construída e na outra, uma indústria Petroquímica a ser reerguida, pois metade desta tinha sido sucateada.
Em ambos os sites tínhamos um trabalho imenso em retirar minas e bombas da área, pois estes países onde nos encontrávamos, tinham passado por décadas de guerra civil.
Um trabalho difícil estressante e de alto risco. Onde infelizmente tivemos fatalidades.
Certo dia, em um pequeno acampamento conversando com o pessoal da comunidade, explicando o porquê das fatalidades as famílias.
Uma senhora se levantou e pronunciou que deveríamos escrever com “SANGUE “nossos procedimentos, pois assim quem sabe os colaboradores poderiam honrar e dar mais “VALOR” as normas e procedimentos de segurança.
Esta senhora era uma das mães que acabavam de receber a notícia e as explicações sobre a fatalidade de seu filho (não queiram nunca passar por esta situação!).
Essa senhora e suas palavras firmes ficaram comigo e me vieram à tona pensando no título de minha palestra.
Ela estava certíssima, “quanto desrespeito se tem por procedimentos e normas”.
São poucos os que prestam atenção ou dão VALOR e exemplos em segui-las.
E A MAIORIA ACHA UM SACO!
Se já não leem instruções de celular ou bula de remédio, vão ler e estudar procedimentos de segurança?
Milhões de trabalhadores morrem ou se mutilam todos os anos.
Campanhas de segurança e proteção ao meio ambiente são constantes. Gastam-se milhões em comunicação, treinamentos e procedimentos. Normas e legislação são inúmeras e bem draconianas.
Mas mesmo com tudo isso, acidentes acontecem sempre!
A senhora estava certa sim, e mal sabia ela, que se não 100%, mas quase todos os procedimentos ou normas existentes foram redigidos somente depois que alguém morreu ou foi mutilado.
Se voltarmos a análise de causa raiz de alguns dos grandes acidentes do passado como Flixborough (Inglaterra), Seveso (Itália), Bhopal (Índia) e Piper Alpha (USA) onde milhares de vidas foram perdidas ou afetadas.
Verificamos a falta de atenção em cumprir procedimentos e normas de segurança.
Estamos falando de grandes corporações acima.
Agora: Imaginemos as pequenas, médias e até mesmas a grandes que mesmo possuindo em sua web sites as mais lindas e bem escritas missões e valores, mostram com orgulho suas certificações ISO, falam sobre ser sustentáveis etc. Mas quando vamos analisar seus Kpis de segurança vemos que não é bem assim.
Em uma obra muito grande em algum lugar neste Brasil, trabalhavam alguns consórcios de construtoras. De repente escuta se um barulhão.
Um corpo havia caído de uma grande altura no meio da área. Total desespero por parte de todos e com razão. E começou uma das situações mais absurdos que presenciei em minha vida.
O falecido estava sem uniforme e EPI!
E uma batalha se inicia entre os gerentes das empreiteiras em vestir e colocar EPI no corpo, ao mesmo tempo a turma do RH em pavorosa gritava para verificar se a pessoa tinha todos os treinamentos de NR que a legislação pedia e se tinha assinatura dele nos DDS e treinamentos.
Muita confusão na área e o tempo passando. Disputa para cada querer vestir o uniforme e EPIS, quem vai avisar a família? E quem vai ficar ali quando a polícia chegar? E por aí foi o trágico cômico espetáculo de non sense.
A polícia chegou, e depois de certo tempo descobriu se que o falecido não era de nenhuma das empreiteiras (Já estava vestido com uniforme e EPI de uma delas), mas sim uma pessoa com histórico psiquiátrico que tinha entrado na obra e se jogado, cometendo suicídio.
Análise de causa raiz: Todos os procedimentos de segurança e respectivas normas foram quebrados.
Um trágico acidente, cômico e vergonhoso para quem era da área.
E para finalizar, não custa questionar:
Quanto vale uma vida humana?
Quanto vale cumprir todas as normas e procedimentos de segurança?
Quão tão é difícil implantar uma cultura de segurança como valor na empresa?
Procedimentos e Normas de segurança precisam mesmo ser escritos com sangue para todos prestarem atenção e segui-las?
Se existir uma cultura de VALOR em segurança e a liderança der o exemplo.
Eu acredito que NÃO.
E esse passou a ser o tema de minha palestra sobre motivação em segurança!
Estamos juntos!